Chantagem




Quando o indivíduo se dedica a conseguir realizar suas metas e desejos, nada o detém. A própria estrutura voltada para o futuro, para o depois, faz com que ele fique imune a qualquer vivência da realidade. Os tijolos e pedradas do real, a obviedade contundente, não o atinge, ele está impermeabilizado, seus planos e estratégias o blindaram, tanto quanto o seu cinismo, a sua maldade e o não comprometimento com nada além de seus interesses e objetivos. Viver para o futuro a fim de superar situações que considera limitadoras e desagradáveis, utilizar o outro, oportunidades institucionais e falhas descobertas, municia esses indivíduos, lhes confere grande poder de destruição.

Ir ao ponto certo, atingir alvos e assim comprometer pessoas ou instituições cria os chantagistas, os que tudo podem e conseguem ao se alimentar dos medos, apreensões e inseguranças de suas vítimas e de seus objetivos de conquista. Ser vítima de chantagem é uma possibilidade quando se tem metas e medos, coisas a conseguir, coisas a esconder e a omitir. A ação malévola de chantagistas, atuando sobre indivíduos cujas motivações são divididas e fragmentadas por interesses e conveniências, cria espectros de respeitabilidade. Esses fantasmas só existem pela manipulação diária e constante, são protegidos pelas mentiras, despistes e encenações de pseudo disponibilidade e honradez. Assistimos isso desde as escrituras que garantem as terras griladas ou usurpadas, até a imunidade das funções parlamentares ou os funcionários das diversas instituições que esquecem ou escondem papéis, processos ou atualizações de rotina a fim de contornar e criar novos recursos. Toda vez que ocorrem ataques, toda vez que se estabelece chantagem, implodem-se reputações, exacerba-se prerrogativas e o vale tudo de explicações e justificativas constrói novas barreiras e novas bandeiras de luta e reivindicação.

Chantagear é aproveitar os resíduos de fragmentações compactadas pelas molduras institucionais, familiares e políticas e assim criar títeres e vilões. É querer transformar o outro em um ser despersonalizado, que vive para manter posições à medida que satisfaz e realiza expectativas e desejos do outro. Aceitar a chantagem é aceitar a própria destruição, é antecipar a morte em vida, isto é, omitir-se, fazer-se cúmplice, e geralmente, atingindo também outras pessoas.



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