Manutenção - honestidade e desonestidade

O Julgamento de Salomão, de Giorgione - 1500-1501
Galleria degli Uffizi, Florence



Sempre que se insiste e luta para manter uma situação fica claro o quanto a mesma é aderente, ilegítima e sem veracidade para ser mantida. Lutar para juntar o que já foi separado, o que já se provou indevido, é uma atitude inautêntica e desonesta.

Honesto é o legítimo e legitimidade não exige luta, nem prova. No tempo dos Reis-Juízes, o Rei Salomão deixou um grande exemplo do que é julgar e do que é legítimo ao terminar com uma disputa entre duas mulheres que reivindicavam a mesma criança como filho próprio. Ele chamou as mulheres com a criança e anunciou que contentaria às duas, afirmando que iria dividir a criança ao meio para dar uma parte a cada uma. Nesse momento, uma das mulheres gritou que não, que entregasse a criança inteira para a outra. Salomão, então, disse que essa era a verdadeira mãe e entregou-lhe a criança, pois mãe salva, não mata o próprio filho. A legitimidade da maternidade foi expressa naquele ato de desistência da mulher e o justo foi feito no reconhecimento disso.

As complexidades e funcionalidades da sociedade moderna criam protocolos e parâmetros que frequentemente são usados como maneiras de burlar honestidade e legitimidade. São inúmeros parâmetros reguladores de instituições e relacionamentos sociais que quando manipulados em função de interesses, desejos e ambições pessoais, possibilitam destruição, injustiça, desonestidade e estratégias de manutenção de poder. Forjar provas, comprar depoimentos e votos são maneiras de turvar o que é legítimo. Esse é o cotidiano do mau político, por exemplo, do desonesto, do inautêntico, seja na política, nas famílias ou em qualquer relacionamento.

Situações indefensáveis são rotuladas como merecedoras de escrutínio, de voto como pseudo-manifestação da vontade popular, quando na verdade encobrem a manipulação e o uso dos direitos e salva-guardas populares. Argumentações sobre falta de provas, falta de flagrantes, como alegam certos condenados, são tentativas de dividir direitos, negar verdades e evidências. Afastar e punir quem utiliza e usurpa o que é do outro, o que pertence à coletividade, se torna cada vez mais urgente para que surjam mudanças, desde que a manutenção implica na aceitação do criminoso e desonesto. Só se pode falar em nome do povo, do outro, quando há legitimidade para tal e o legítimo é construído no limpo, verdadeiro e honesto.

Na esfera individual, a vida pautada na manutenção e comprometimentos nos quais tudo é contabilizado para funcionar bem e realizar ambições, não existe autenticidade, desenvolvem-se esquemas, nada pode ser perdido, imperam a desonestidade, o oportunismo e o vazio. É o caos no qual não se identifica mais juízes-reis ou mães legítimas; são as famílias mantidas pelos frágeis elos costurados nas aparências comprometedoras.



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