Deslocamentos e pânicos

A ansiedade se caracteriza pela atividade repetida irrefreável, que vai desde o pensar, repensar, pensar de novo até agir, andar de um lado para o outro, fazer, refazer, antecipar ações, sem saber o que ocorre. Impedindo concentração e contituidade, a ansiedade desestrutura o indivíduo. É exatamente por causa desta desestruturação que ela é bem-vinda, por mais estranha que esta afirmação pareça.

Estar ansioso é não perceber as não aceitações, os medos, as culpas e conflitos. Na dinâmica psicológica tudo é globalizado enquanto interação, mas ela não é percebida quando surgem os curto-circuitos, tal como acontece na ansiedade. Deter-se na ansiedade, estar nela posicionado, cria outros deslocamentos, o pânico, por exemplo. Não saber como agir, estar submetido ao turbilhão de dúvidas e demandas, posiciona o indivíduo e neste momento, o pânico aparece.

O pânico, como deslocamento da ansiedade, é um ponto de segurança, permite que, se detendo nos sintomas desconfortáveis, incômodos, a pessoa se situe e consiga ter indicações para funcionar, nem que seja as de como evitar o acréscimo do pânico. Os estados anteriores de ansiedade, a aceleração constante impedem quaisquer paradas, não dando sequer brechas para se deter, se organizar em relação ao que acontece. Falta de sono, sensação de parada respiratória e cardíaca, são, então, amenizadas: o pânico cria o delay, uma extensão de sintomas que possibilita cuidados. Entender o pânico como deslocamento de ansiedade é uma forma de globalizar os estados ansiosos e, assim, modificá-los.

O medo de fracassar, de não atingir e cumprir o necessário, faz com que o indivíduo se pressione, se exija. Este processo divide e na continuidade esta divisão, fragmenta, surgindo os sobressaltos, a descontinuidade, a falta de concentração, o vazio constante da ansiedade. Entrar em pânico, nele cair, é como se fosse um oásis em relação aos estados ansiosos. O pânico é a pausa do estado ansioso, é a ansiedade posicionada, pois obriga o indivíduo a se deter, sendo, consequentemente, tranquilizador. Esta parada angustia, mas substitui o desespero da ansiedade, a angústia obriga a mudar comportamentos, a perceber os próprios problemas.

Infelizmente esta situação, que possibilita inúmeros questionamentos, é camuflada, tratada com remédios, que apenas conseguem dopar, minimizar mal-estar, minimizar sintomas. Estes sintomas contidos e “tratados”, posteriormente fazem aparecer as depressões, resultado da não aceitação deslocada e comprometida com o alcance sistemático de metas e desejos. O pânico é uma maneira de dizer, de gritar: me faça parar, me faça perceber e me deter em meus problemas, em minha alienação e concessões.




“O Conceito de Angústia”, de Søren Kierkegaard

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