Transformação

Transformação ocorre quando se apreende, se globaliza as contradições do existente, do dado vivenciado. É sempre através de insight - apreensão súbita de relações configuradoras - que se consegue transformar o percebido e, consequentemente, mudar o comportamento.

Perceber que situações solucionadoras, confortáveis, situações que tudo explicam e satisfazem são também geradoras de dúvidas, medos e distanciamento do que polariza e define o convívio, esta percepção cria uma nova ordem e determina outras percepções. É uma mudança perceptiva responsável pela criação de novos significados: estabelece outros valores, diferentes dos anteriores.

Perder a confiança ao verificar o desvio de indicações, por exemplo, temer o próprio pai ao perceber que o mesmo realiza anseios e desejos diferentes nos abraços frequentes, transforma ações, sentimentos e vivências. Novas percepções, pensamentos, ideias e motivações se instalam.

O que acontece determina mudanças. Quando se descarta, esconde, desconsidera o novo - o que acontece - se nega a realidade, abraçando a impotência e, assim, se permanece na mentira, no engano, no faz de conta. Esta situação, inicialmente, é confortável, pelo fato de negar e esconder a quebra de confiança, a quebra de certezas anteriores. Entretanto, manter comportamentos como se nada tivesse acontecido, nada tivesse mudado, é candidatar-se a fingimentos, artificialidades, é começar a duvidar de si mesmo como uma maneira de manter o que não mais existe, de negar as transformações vivenciadas. Pensar que tudo foi inventado pelos próprios problemas e carências, é atitude desesperada, que põe em dúvida todo o sistema relacional do ser com o outro, com o mundo, criando assim, impasses e barreiras. Posicionado, paralisado para arquitetar e construir desempenhos, o indivíduo acumula justificativas que se transformam em alibi, arsenal de mentiras que tudo pode resolver. Ao fazer isto, se transforma em objeto, robô programado para não criar problemas e conseguir algumas vantagens, no mínimo a de manter seus sistemas, apesar de desumanizadores. O posicionamento, a perda da dinâmica, é uma transformação: segmenta, divide e cada vez mais desumaniza, fazendo com que não saiba mais o que é real, inventado ou desejado. Isolado nele próprio, autorreferenciado, perde de vista o outro, perde possibilidade de mudança.




“An Obedient Father”, by Akhil Sharma

verafelicidade@gmail.com

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