Sociedade audiovisual

A motivação para exibir-se, para “ver e ser visto”, resulta de problemas, de dificuldades, de não aceitação, enfim, resulta do que se costuma chamar de esforço de superação; esta é a atitude que determina o relacionamento entre pessoas, onde as demandas são contingenciais. Assim, as circunstâncias esclarecem e decidem e é através delas que os relacionamentos se fazem. Por exemplo, João e Manuel são vistos, são percebidos como grandes amigos, pois frequentam os mesmos lugares, os mesmos bares e gostam das mesmas bebidas. O estabelecido é confundido com o estabelecedor. A evidência obscurece a imanência. O resultado é destituído de significado e motivação.

Nas redes sociais as vivências são compartilhadas, discute-se sobre elas, tanto quanto as mesmas funcionam como mapas, caminhos direcionadores. Fica fácil discutir sobre o livro que se quer ler ou o filme que se quer ver, não é mais necessário ler, ou ver o filme, basta “linkar” uma série de opiniões e comentários. Está na rede, está no site, existe. Encontrar é estar online, é estar em rede, é estar conectado. A notícia é o fato, o indivíduo passa a ser o “selfie”, vale tanto mais quanto bem arrodeado de celebridades ou postagens previamente consagradas, assim como de posturas inéditas.

Na sociedade audiovisual, ser é parecer, é levar a crer; desenha-se o que se é pelo que se aparenta ser. Este processo distorce, é equivalente a transformar conteúdo em continente e vice-versa, é despersonalizador à medida que constrói identidades em função de demandas motivacionais como: eu quero aprender, eu quero me relacionar, quero satisfazer meus desejos, etc, a identidade é construída em função das necessidades e temos então, perfis bonzinhos, perfis estilo dark realism, perfis pornô, perfis intelectuais, perfis descontraídos etc. Neste processo, a legitimação do que é considerado adequado ao perfil, é feita sem escrúpulos: diplomas são comprados ou inventados, riquezas são exibidas através de griffes, produções literárias são utilizadas no “copiar e colar” como sendo próprias, enfim, construção de referenciais e imagens para validar estratagemas e esconder embustes.

Nas atmosferas onde a direção audiovisual é absoluta, nada é o que parece ser, pois tudo é apenas o início de inúmeras direções resultantes de específicas motivações não explicitadas. O que se pensa completo está sempre incompleto, a totalidade é exposta em aspectos parciais e tudo isto estabelece possibilidades de frequentes distorções perceptivas mantidas pela ansiedade, desejos e carências estruturantes do “ver e ser visto”, do querer ser aceito exatamente pelo que não se é, desde que se considera inaceitável e insuportável o que se é. A ênfase no aspecto audiovisual permite mostrar e esconder a pessoa, e assim, frases feitas, clichês, expressam as motivações, ou seja, pouco é comunicado, embora tudo seja alardeado.

A sociedade audiovisual viabiliza um dos aspectos mais típicos da neurose: a aparência. Parecer ser é o que importa e assim são montadas as imagens, as plataformas de relacionamento e estabelecidas as motivações.
















- “A Nova Era Digital” de Eric Schmidt e Jared Cohen
- “Flash Boys - Revolta em Wall Street” de Michael Lewis

verafelicidade@gmail.com

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