“Perceber é estar em relação com o outro, consigo mesmo, com o mundo. Esse relacionamento é a vivência psicológica. Nesse sentido, ao falar em percepção, já não é mais necessário o uso de conceitos como mente, consciência, intelecto, etc, sendo tais conceitos posicionantes, dicotomizantes e unilateralizantes da totalidade ser no mundo.” *
O conceito de mente está atrelado à idéia de local da racionalidade, uma visão dualista que contrapõe razão/emoção. Nesta concepção, herdeira das idéias dos séculos XVIII e XIX, a mente é o receptáculo de sensações e a fonte da consciência.
Afirmo que o homem é uma possibilidade de relacionamento e que não existem corpo e mente como realidades distintas. É através da relação perceptiva que nos vemos cercados de situações, coisas e pessoas, semelhantes ou dessemelhantes, e assim vão surgindo os significados, os valores que estruturam os níveis de sujeito e objeto.
Conhecemos ao perceber. Perceber é conhecer pelos sentidos.** Ao unificar este conceito, sensação e percepção, destruiu-se o elementarismo nas abordagens perceptivas, entretanto, muitas dicotomias permanecem. Uma delas é sobre o pensamento; mesmo os gestaltistas clássicos não abordaram o pensamento como decorrência do processo perceptivo.
Para mim, o pensamento é um prolongamento da percepção. Ao relacionarmos percepções, significamos, ao perceber que percebemos - constatação -, formamos sistemas de referências. A memória é o arquivo que mantém a trajetória perceptiva e o pensamento é o que a prolonga.
Pensamos ao prolongar percepções e neste sentido podemos dizer que o pensamento é a trajetória da percepção. Nada que não existe/existiu pode ser pensado, embora possa ser completado, fabricado por acréscimos perceptivos. Pensar é prolongar o percebido e quanto mais distorcida, desorganizada a percepção, mais distorcido, desorganizado é o pensamento. Mudar a percepção é mudar o pensado, é mudar o comportamento, é ampliar referenciais ou restringí-los. O sistema educacional, tanto quanto os tratamentos psicoterápicos, podem ser beneficiados por este enfoque. Tudo é percepção, nela as distorções são criadas e resolvidas. Querer ser aceito e percebido pelos outros, por exemplo, é um objetivo destruidor do outro, desde que o transforma em um receptáculo de desejos. Em psicoterapia, quando se percebe esta possibilidade de destruir o que se quer vivo, alguma coisa muda: se percebe a necessidade de antes de querer ser aceito, percebe que precisa se aceitar para não continuar oferecendo ao outro algo que se desvaloriza, que não se aceita. Estas contradições, encontradas nos processos relacionais, nos processos perceptivos, desencadeiam pensamentos criadores ou repetitivos, geram insights (apreensão súbita de relações) ou criam posicionamentos de vitimização e culpa.
Perceber, prolongar percepções, ampliando, diminuindo, distorcendo, quebrando, somando ou apreendendo as totalidades configuradas, é pensar.
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* Terra e Ouro são Iguais - Percepção em Psicoterapia Gestaltista de Vera Felicidade de Almeida Campos - pag. 69
** “Para os reducionistas, elementaristas, associacionistas, a percepção é uma elaboração de sensações: pelos sentidos - visão, audição, olfato, gustação e tato - captamos a realidade imediata e a elaboramos através da percepção. Kofka, Koehler, Wertheimer, gestaltistas, em 1912 afirmaram que percebemos gestalten, estruturas organizadas. Não existia uma função para recolher dados sensoriais e depois elaborá-los perceptivamente; conseguiram assim riscar da psicologia científica, a idéia de sensação como ponto de partida do processo cognitivo, tanto quanto eliminar o conceito de mente como receptáculo de sensações.” - em Terra e Ouro são Iguais, pag. 69
- "A Questão do Ser, do Si Mesmo e do Eu" de Vera Felicidade de Almeida Campos
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