Reversibilidade perceptiva

Tudo muda, desde que nosso contexto de inserção é o movimento, é a dinâmica que existe em tudo e entre todos. O movimento, o processo, a mudança são constantes.

No nível perceptivo, tudo que é percebido é passível de reversibilidade, pois também está submetido ao movimento. A relação Figura-Fundo, que define o processo perceptivo, é a própria reversibilidade. Percebemos X no contexto Z; tanto quanto, percebemos Z no contexto X. É exatamente esta reversibilidade que cria contradições à necessidade de constância e regularidade.

Deter o impermanente, estabelecendo regras e dogmas, é querer dominar o que é aberto, o que é fluido. Este desejo decorre do autorreferenciamento polarizado em conforto/desconforto, à partir do qual tudo é percebido. É uma maneira de se sentir seguro, tranquilo para conviver com a reversibilidade, a fugacidade do presente, tanto quanto, se constitui em obstáculo para o que ocorre. São sistemas de avaliação do que vale a pena e do que deve ser evitado, que funcionam como uma mediação impermeabilizadora entre tudo que ocorre e o que é percebido. Os acontecimentos são contextualizados assim. Por exemplo, alguém que constrói uma imagem para ser considerado e aceito, desenvolve medos de ser visto como inadequado; tudo o ameaça, não suporta ironias, brincadeiras são percebidas como denúncias. Quanto maior o autorreferenciamento, maior o posicionamento no que está sob o próprio controle. Achar que tudo deve dar certo - expectativas -, tanto quanto, sofrer com fracassos, ilustram estas vivências autorreferenciadas, onde o indivíduo se sente isolado, abandonado.

Vida psicológica é vida perceptiva. Ficar diante do mundo, não integra-lo, cria a vivência do sujeito separado do objeto. Estas distorções são frequentes, tanto em indivíduos, quanto nos conceitos construtores de filosofias e ciências responsáveis pela configuração do humano. Não estamos diante do mundo, nem do outro, estamos no mundo em relação com o outro. Não há como separar, destacar o intrínseco relacional, embora se possa perceber enquistamentos causadores de isolamento e determinantes de autorreferenciamento. A rigidez perceptiva, a falta de antíteses, cria uma parede, um anteparo através do qual tudo é percebido, gerando isolamento, automatismos, fragmentações, sofrimentos e quando se busca a psicoterapia é fundamental perceber que não se tem problemas, mas sim, que se é o problema, que a solução só pode ser atingida quando o problema é questionado e percebido de outra forma - perceber que não é aderência, por exemplo -, enfim, a solução só é atingida quando se recupera o movimento, saindo da estaticidade do autorreferenciamento. Assim pensando, a reversibilidade, a dinâmica se instala e as contradições são enfrentradas.


- “Terra e Ouro são Iguais” de Vera Felicidade de Almeida Campos


verafelicidade@gmail.com

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