Derivações

A reversibilidade, a impermanência, sempre criam separações e exatamente neste processo é que se realiza a honestidade, a desonestidade, a coerência e a incoerência. Posicionados e flutuantes, criamos quimeras, construímos artefatos, que resumem situações e processos. Ao perder de vista estas transposições, perdemos discernimentos; ao não entender, não perceber estas construções, lamentamos ou nos agarramos em seus resíduos, frequentemente ruínas que exibem tentativas e até mesmo outros referenciais de comunicação. Nietzsche escreveu, em 1873, sobre verdade e mentira no sentido extra-moral: “O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.”

Isso nos leva a pensar no que é importante. É a matéria-prima metal, ou são as moedas? A utilidade, o pragmatismo, leva a objetivos outros além do existente. A necessidade de trocas e manutenções, cria novas verdades, que já não significam. Se tomarmos a verdade como intrínseca, imanente ao evidenciado, ela aparece como metal e não como moeda. A moeda, a utilidade é a mentira criada pela invasão significativa e utilitária. Pensar verdade como metal esvazia o sentido contingente de sua utilidade (moeda). Tudo que é utilitário é contingente. A circunstância está sempre impregnada de funcionamento, de valores, enquanto seus constituintes intrínsecos, a matéria-prima que a estrutura, que a constitue, não tem função, consequentemente, resiste às circunstâncias, por exemplo: o metal faz moedas, faz jóias, faz barras de proteção e grades aprisionantes, nenhum uso o define, portanto, ultrapassa os valores que o contingenciam. Verdade é o intrínseco, mentira é toda aderência; verdades são os dados relacionais, mentiras podem ser tudo ao que eles se referem.




- “Obras In-Completas” de Friedrich Nietzsche

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