Desconsideração

Todo sistema estabelece o que considera superior, inferior e mediano. Os critérios são variáveis, mas referenciais constantes são poder e status, que implicam no que é considerado bom, vital, valorizado e ruim, inútil, desvalorizado.

Perceber o mundo, o outro e a si mesmo através destes delineamentos é esmagador, mesmo quando se é colocado no topo: o padrão aliena, isola e desumaniza, embora nem sempre seja assim percebido.

Estar além, considerado superior, possibilita a vivência de ser melhor, mais apto, mais capaz, poderoso. Neste momento, assim se percebendo, vem a desumanização; passa-se a ser representante de ordens constituidas, transforma-se em uma coisa, objeto entre outros, caros e poucos.

Estar abaixo, oprimido, esmaga e revolta. Ser o desprovido, desconsiderado, apenas a massa de manobra, sem voz própria, utilizado para servir é também desumanizador; só existe em função das vantagens conseguidas por se deixar usar e manipular.

Consideração e desconsideração são resultantes de processos socialmente alienantes, balizados em padrões de julgamentos estabelecidos em outros contextos que não os das individualidades julgadas. Ser produtivo, ser improdutivo, ter status ou não, variam conforme as demandas sociais, econômicas e políticas de cada sistema. Por exemplo, o escravo de ontem é o lider político ou religioso de hoje. Sua individualidade só significa em função dos referenciais atribuidos; este processo é desumanizante e alienador.

Perceber os processos e contextos que estruturam consideração e desconsideração pode ser libertador ou aprisionante: tudo vai depender do questionamento ou da submissão estabelecida. Atingir a glória, a consideração dentro do sistema político social econômico, pode ser coroamento de esforços arbitrários e discutíveis: às vezes o que é reconhecido institucionalmente significa desconsideração da individualidade, enquanto a consideração e aceitação da própria limitação que causa desconsideração é um caminho de mudança e descompromisso desalienante.
















- "A Ponte - Vida e Ascensão de Barack Obama" de David Remnick
- "E o Vento Levou" de Margaret Mitchell

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