Simbólico, Imaginário e Real

Opiniões a respeito das coisas, objetos que representam, relembram situações vivenciadas, imagens de divindades, rituais religiosos ou não, superstições, amuletos, crenças, certezas, duvidas, interpretações, enfim, quem nunca se perguntou sobre o que é real ou simbólico nas suas vivências cotidianas?

Lacan, coroando toda a conceituação psicanalista - freudiana - diz que o homem se realiza ou se frustra, se comporta enfim, dentro de dimensões simbólicas imaginárias ou reais. Ele está assim, através de uma nova linguagem, explicando o Id, o Superego e o Ego. São as necessidades instintivas, inconscientes e biológicas, as responsáveis pelo estabelecimento do simbólico, do imaginário e do real. Projeção, resistência, mecanismos de defesa do Ego, formação reativa, foraclusão, são conceitos decorrentes destas divisões reducionistas.

As certezas ilusórias são frequentes nas explicações do comportamento do homem pelo inconsciente, por entidades possessoras, pela vontade de deus, se constituindo em alicerce para manutenção de preconceitos. Por exemplo, no "Seminário", Lacan diz: "A ordem simbólica ao mesmo tempo não-sendo e insistindo para ser, eis a que visa Freud quando nos fala do instinto de morte como sendo o que há de mais fundamental - uma ordem simbólica em pleno parto, vindo, insistindo para ser realizada." *

Os dados relacionais, os processos perceptivos, nos trazem outra visão, outra explicação, outra conceituação.

Real é o que eu percebo; quando isso se dá enquanto presente é globalização do dado percebido; se a percepção do existente (figura) é realizada com o passado como fundo, essa percepção é representativa do percebido em função do passado e não do presente; isto é a simbolização, repetição do dado ao inserí-lo em outra ordem constitutiva. Ao perceber o que está diante de mim em desdobramentos e ampliações de metas e desejos, medos e apreensões, tendo como fundo a estrutura do futuro, imaginamos.

Tudo que percebemos é real. "Nas relações de figura e fundo, o percebido é a figura, o fundo é o estruturante, nunca é percebido; ilusão é o fundo, o nunca percebido, portanto nunca real. Geralmente os preconceitos, a priori, as crenças e certezas constituem o fundo, o referencial de nossas percepções. Quanto mais crenças, certezas e fé, menos disponibilidade, mais rigidez. Crenças, certezas e fé são estruturadas no sistema categorial, resultando sempre de experiências prévias, de avaliações. A ilusão é o que dá as certezas." **

Basta perceber o ser no mundo como unidade, diferente do ser versus mundo psicanalítico que conseguimos entender e explicar seus processos relacionais, sua estrutura de aceitação e de não aceitação.


- * "O Seminário - Livro 2 - O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise", pag. 407, Jacques Lacan, Jorge Zahar Editor

- ** "A Realidade da Ilusão, A Ilusão da Realidade", pag. 44, Vera Felicidade de Almeida Campos, Relume Dumará

















"O Seminário  Livro 2  O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise", J. Lacan
"A Realidade da Ilusão, A Ilusão da Realidade", Vera Felicidade de Almeida Campos

Comentários

  1. Gostei muito do texto, Vera.Acho que estou começando a iniciar um entendimento de suas idéias.
    No entanto, fiquei com uma dúvida.
    Por favor me corriga se estou errado:
    -a percepção sempre envolve figura e fundo
    - se temos como fundo "a priori-s" ou metas/desejos futuros, nossa percepção do presente será sempre voltada à sobrevivência/manutenção.

    Ok, mas na vivência contemplativa, onde o presente é eternizado, qual é o fundo?

    grato pela atenção,
    Diego Gheno

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    1. Diego, Figura e Fundo é a Lei básica da percepção. Cada vivência está estruturada em inúmeras percepções, consequentemente inúmeras Figura/Fundo. Caso você determine que uma percepção A de um indivíduo B está estruturada em um a priori etc etc seu raciocínio está correto.

      Quanto a sua pergunta, o Fundo é o presente, só podemos ter vivência de eternidade, equivalente de contemplação, quando o presente é percebido no contexto do presente, como escrevi no artigo passado.

      Abraço

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  2. Olá Vera, o tema deste artigo é tão incitante para mim, principalmente a sua solução! São séculos de discussões que tangenciam esta questão (metafísica, realismo, positivismo, idealismo, materialismo, racionalismo) e normalmente nem nos damos conta que ainda hoje lidamos com sistemas baseados em visões de séculos atrás - como você bem afirma em vários momentos de sua obra, as idéias do sec. XIX fundamentando a psicanálise e a psicologia; dogmas religiosos etc.

    Nós, pessoas comuns, herdeiras do positivismo, vivemos numa época onde o cientista é endeusado, quero dizer, nos relacionamos com as "verdades científicas" da mesma maneira que o homem do século X se relacionava com as "verdades religiosas": simplesmente temos fé no que cientistas, filósofos contemporâneos e profissionais que os seguem, nos dizem. Vivemos neste mundo dividido entre 'realidade' e 'ilusão' e "nossos cientistas" supostamente lidam com a "realidade" seja ela macro e densa, seja ela micro e invisível.

    Só recentemente a ciência vêm admitindo o questionamento a sua hipotética objetividade, introduzindo a questão da interferência do sujeito no objejto de estudo que antes era pensado como "dotado de uma realidade objetiva", enfim, esta fascinante questão do que é 'real' e do que é 'imaginário' permeia todas as atividades humanas: do camponês supersticioso, passando pelo homem religioso, chegando ao cientista, como você bem sabe.

    Então pensando assim, acho fantástico o que você diz sobre este tema na citação de seu livro, com a Lei Figura/Fundo. Acho que sua abordagem é um marco nesta discussão do que é real, do que é ilusão. Seguindo seu pensamento queria lhe perguntar: na dinâmica da vida, na necessidade dos sistemas categoriais, como ter lucidez quanto a estarmos percebendo no presente ou percebendo influenciados pelo passado (experiência, sistemas categoriais)? Toda categorização é simbolização?

    Abraço

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    1. Ana, que resumo interessante você fez de todo um pensamento, uma problemática, muito bom!

      Respondendo a sua pergunta "toda categorização é simbolização?" e tudo que ela implica: quando percebemos, percebemos; quando percebemos que percebemos, categorizamos, nomeamos, significamos em outros referenciais além do percebido, isto pode ser presente ou passado. Toda categorização é percepção da percepção, não é simbolização. Símbolo é representação do percebido. A representação do percebido utiliza estruturas como categorias. Neste caso, as categorizações são senhas, ícones - sempre distorções pois o representado (o simbolizado) se refere a outro contexto que não o estruturante da percepção atual.

      Quanto a saber se se percebe o que se percebe, só através de questionamento, diálogo ou terapia. Os próprios fenômenos alucinatórios, fantasias caem nesta situação. Me lembro agora (você deve conhecer a história) do sábio chinês Chuang Tzu, que acordou pela manhã e queria saber se ele era uma borboleta sonhando que era homem ou um homem que tinha sonhado que era uma borboleta. Neste sentido a Fenomenologia nos salva: como saber que sabemos? Sabendo. Como viver o que vivemos? Vivendo.

      Abraço

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    2. Obrigada por suas palavras e pelo ótimo esclarecimento da questão, Vera. Sim, conheço a história do chinês taoista, é muito boa; me sinto muitas vezes como ele só que minha dúvida é mais angustiante que poética... rsrsrs. Adorei sua última colocação sobre a Fenomenologia.

      Abraço

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  3. Oi, Vera.
    Texto genial, assim como o livro "A Realidade da Ilusão, A Ilusão da Realidade". Estou adorando as discussões! Quanto ao exemplo que você deu da história do sábio chines, lembrei que você coloca no livro: "A diferença entre estar acordado e estar sonhando só é possível através da categorização" (p. 37).
    Bjs.

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    1. Obrigada Ioná. A categorização é o saber possível através do perceber que percebemos.

      Beijos

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