Vivenciar o presente pode ser sinônimo de vivenciar o desagradável, despropositado e ameaçador. Situações de guerra, assalto, doença, desastre deixam isto bem claro. Essas ocorrências determinam ansiedade, medo, que é a omissão diante do que ocorre ou determinam coragem e participação.
Ter medo é se omitir, é colapsar, sumir diante do que está acontecendo; isso se dá às vezes através do desmaio, através do desespero, dos gritos e das rezas obstinadas. Havendo participação não há medo: se enfrenta ou foge, às vezes única maneira de enfrentar, ainda ação.
Quando não temos metas - ou seja, planos e desejos a realizar no futuro, que não têm estrutura na própria realidade - não estamos divididos ao vivenciar o presente. Esta organização nos permite não colapsar com os impactos, o caos, a desorganização que está acontecendo no presente. Esta atitude cria perspectiva de vida responsável pelo descongestionamento; "o grande horror" que acontece adquire proporções menores, suportáveis e começa a ser percebido como obstáculo a ser resolvido, neutralizado, contornado.
Kurt Lewin relata o que aconteceu com os judeus alemães diante da escalada destruidora do nazismo e do antissemitismo na Alemanha. Este caos social desumano levou vários judeus a cometerem suicídio. Ao perderem toda e qualquer perspectiva de vida, abreviavam o final terrível que parecia inexorável. Frequentemente esta atitude era a do judeu assimilado. Lewin nos relata que o judeu apoiado em sua tradição religiosa, em sua história, sabia que era mais uma perseguição; durante cerca de 5 mil anos outras já haviam ocorrido e seu povo sobreviveu. Perceber este processo, serviu de respaldo, abriu perspectivas e fez com que resistissem ao desespero, resistissem à vontade de desaparecer, sumir, mesmo com o sacrifício da própria vida. Esse estudo de Lewin foi eloquente no sentido de mostrar que o caos pode ser organizado, que o respaldo surge da própria história individual.
O judeu assimilado à cultura germânica achava impossível haver tais perseguições dentro de uma sociedade tão civilizada como a alemã. Os que estavam apoiados na tradição judaica, sabiam do antissemitismo que sempre existiu nas diversas culturas e sociedades. A vivência do terror não foi inesperada para eles, tinham o processo histórico como contextualizante.
A vivência é sempre do presente mesmo quando se recorre à memória. Na situação do presente aterrorizante, reduzido ao fato, a lembrança, a memória (recordações são vivências presentificadas, são prolongamentos perceptivos) estrutura um novo contexto que permite a percepção do que ocorre, no caso o caos, de uma maneira nova, responsável por continuidade, consequentemente por perspectiva de vida.
Na vivência pontualizada do presente como sem saída, os pontualizadores podem ser situações presentes neutralizadoras de perspectivas ou podem também ser situações de memória, presentificadas sob a forma de medo e pânico. Em um de seus escritos, Kafka nos conta que ao esperar a execução na forca para o dia seguinte, o condenado, não querendo passar pelo que o aguardava, na véspera se enforca em sua cela.
Qualquer situação absurda possibilita enfrentamento ou crise, tudo vai depender de se estar inteiro ou dividido na vivência do presente ameaçador.
Quando o passado superpõe-se ao presente, mesmo que sob forma de esperança, ele divide, consequentemente aliena do presente, criando ansiedade pela necessidade e espera da saída.
Quando o passado alarga o presente surge perspectiva, surge o futuro; a redução ao que está acontecendo, o estreitamento é alargado e novas configurações surgem neutralizando o sem saída e estruturando coragem, tenacidade, resistência.
"O Holocausto", Martin Gilbert
"O Terceiro Reich no Poder", Richard J. Evans
verafelicidade@gmail.com